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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

CRÔNICAS POLICIAIS: "JESUÍNO BRILHANTE, DE PATU"

Jesuíno Alves de Melo Calado, conhecido como "Jesuíno Brilhante", foi o primeiro cangaceiro renomado nos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Nasceu em 1844 no Sítio Tuiuiú, Patu/RN, filho de família de senhores de terras. Entrou para o cangaço aos 25 anos, motivado por vingança em decorrência de briga de família, após seu irmão Lucas Alves ter sido surrado no meio da Feira de Patu, posteriormente ao roubo de uma cabra da fazenda dos Calado. O delito foi feito por pessoas da família Limão que, por sua vez, moravam no vizinho Sítio Camucá (ambas as propriedades distavam seis quilômetros do centro de Patu ). Antes disso, Jesuíno era um pai de família pacato e proprietário de terras. Ao entrar no cangaço, adotou o nome "Brilhante", que havia sido usado anteriormente por um tio seu, o trabuqueiro José Brilhante, também chamado "Cabé".

Como pessoa, Brilhante é descrito pelos historiadores como tendo sido um homem branco arruivado, de compleição física forte e estatura baixa, honrado e cordial, com caráter reto, justiceiro, bom nadador, excelente atirador, hábil na cavalgadura e no jogo de faca, exímio vaqueiro derrubador e laçador de gado. Atirava com as duas mãos e não perdia um tiro sequer. Também era dono de rígidos padrões morais e nunca consentiu que os membros de seu bando "pegassem no alheio" ou praticassem violência contra os mais fracos, por exemplo. Em muitos sentidos, a figura de Jesuíno Brilhante é diferenciada no contexto do cangaço.
Seu primeiro crime foi no dia do Natal de 1871, quando assassinou a facadas o negro Honorato Limão, responsável pelo espancamento já citado do seu irmão e autor do furto da cabra. Tendo sido anteriormente exposto publicamente como "ladrão de bode", Honorato resolvera se vingar no mais fraco e "pegou" o irmão caçula de Jesuíno para extravasar seu ódio: juntou-se com mais uns parentes e baixou o cacete no adolescente, que fora ver sua namorada na Vila de Patu. Isso foi no dia 24; No dia 25, Jesuíno chamou o Limão na ponta do aço. Em represália, os Limões atacaram o Sítio Cajueiro e mataram a punhaladas um primo de Jesuíno. Agora era guerra. Então, Brilhante formou um bando e passou a atuar de forma guerrilheira contra a unida família dos Limões e quem mais com eles se aliasse. Consta que os Limões eram apaniguados com famílias de políticos de Brejo do Cruz (os Lobatos) e de Catolé do Rocha (os Lobos), na vizinha Paraíba, e que estes aliados mandaram reforços em homens e armas para guerrear contra os Alves.

Interessantemente, houve também um peculiar componente racial na questão, pois os Limões eram negros livres e, ao mesmo tempo, parte do governo opressor (no sistema chamado Coronelismo), enquanto a família de Brilhante, loira de olhos azuis, compunha a oposição política ao lado dos pobres e necessitados... Isso, lembremos, ainda na vigência da escravidão no Brasil, que só acabou definitivamente em 1888! É realmente uma inversão dos clichês raciais nacionais que, sem exceção, colocam "elites brancas" como opressoras de "pretos e pobres", não dando espaço para a discussão da possibilidade de situações diferentes ocorrerem, ainda que localmente (como é exatamente o caso tanto aqui, como na monarquia negra e escravocrata do Quilombo dos Palmares ou nos espaços urbanos modernos dominados por facções criminosas prisionais, predominantemente militadas por pobres de pele escura).
Entre 1871 e 1879, o bando conhecido como "os Brilhantes" atuou na região circunvizinha a Patu, instalando seu principal reduto na Serra do Cajueiro (extensão da Serra do Lima), local da gruta conhecida como "Casa de Pedra", uma furna espaçosa situada em terreno dominante no Sítio Cajueiro. De cima desse "bunker" natural, os milicianos de Jesuíno vigiavam grande extensão do terreno em derredor, tendo a condição de perceber qualquer movimento com muita antecedência, o que frustrava qualquer força atacante. Nessa região pobre e assolada pela seca, comboios de comida eram mandados pelo Imperador D Pedro II aos flagelados, a título de "auxílio de emergência". Esses mantimentos eram recebidos pelos ocupantes de cargos públicos ligados aos políticos poderosos, sendo posteriormente vendidos em barracões particulares, numa mostra de que a corrupção e o desvio de recursos públicos é prática antiga no Brasil. Principalmente durante a grande seca de 1877-1879, famílias inteiras se juntaram aos Brilhantes nos assaltos aos tais comboios, bem como aos armazéns. Toda a comida arrecadada era distribuída gratuitamente ao povo pobre.

Tais saques e outras ações ligadas à defesa da honra das mulheres, proteção de idosos e combate aos desmandos dos capangas de Coronéis locais, fizeram de Jesuíno Brilhante muito bem-quisto no seio da população e dono de uma aura cavalheiresca e romântica - sendo considerado realmente uma espécie de Robin Hood. Dos tantos nomes ligados ao ciclo do cangaço no Brasil, ele é o único que merece autenticamente o título de "bandido social", pois nunca recebeu dinheiro pelos seus atos de "justiça com as próprias mãos" - que foram dirigidos apenas contra tiranos do povo desassistido e, naturalmente, contra as forças que o perseguiam. A verdade é que ninguém o considerava um criminoso, a não ser o judiciário.
Existem vários relatos dos feitos de Jesuíno Brilhante, alguns documentalmente comprovados, outros fazendo parte das tradições orais sertanejas (às vezes exageradas ou fantasiosas), dos quais citaremos alguns. Em 1872, numa incursão ao Sítio Camucá, Jesuíno matou Francisco Limão. A partir daí, os poderes políticos ligados aos Limões procuraram envolver todos os Alves como cúmplices, resultando em prisões injustas, depredações, incêndios e humilhações inadmissíveis para a moral sertaneja da época. Os Limões, guiando tropas de soldados, por várias vezes tentaram vencer a Fortaleza da Casa de Pedra, dos Brilhantes, mas esta era estrategicamente bem posicionada e tinha uma fonte de água mineral a 200 metros, tendo resistido a diversos assédios.

Na madrugada de 19 de fevereiro de 1874, os Brilhantes atacaram a Cadeia Pública de Pombal/PB, para libertar o pai de Jesuíno e seu irmão Lucas Alves, que lá estavam injustamente presos. De surpresa, avançaram com oito homens contra os treze praças que compunham a guarnição, tendo posto em fuga três e rendido os outros dez, que não sofreram qualquer mal, conforme havia apalavrado o preso Lucas. Nessa ação, os Brilhantes soltaram 42 presos e levaram consigo todos os fuzis, pistolas e munições que encontraram. Ao final, ficaram na cadeia doze presos que não quiseram fugir e o efetivo da Guarda Nacional que fora rendido. Segundo consta, esse ataque contou com o apoio do Coronel João Dantas que, tendo depois seu nome citado como partícipe pelo jornalista Vulpis Alba (em matéria publicada no Diário de Pernambuco), pediu a Jesuíno que o matasse. Como o cangaceiro se recusou a fazer esse serviço, o Coronel se tornou seu inimigo
No dia 30 de agosto de 1876, no episódio conhecido como "O Fogo de Imperatriz", os Brilhantes atacaram a cidade de Imperatriz (hoje chamada Martins), com duplo objetivo: matar o desafeto Amaro Limão, que estava preso na Cadeia Pública local e resgatar uma moça que havia sido raptada da casa de seus pais e estava "depositada" na residência de um certo Porfírio Leite Pinho. Nessa ousada ação, os cangaceiros subiram ocultos a Serra íngreme chegaram por volta das 18:00 H no centro urbano (localizado no topo). Foram combatidos com intensa fuzilaria e cercados pela guarnição, mas se evadiram arrombando os muros e paredes das casas vizinhas, o que surpreendeu a polícia. Então, os Brilhantes escaparam pela madrugada, passando de uma casa a outra e cantando a canção popular "Corujinha", que ficou lembrada como uma espécie de hino do bando. No imaginário popular, Jesuíno Brilhante tinha o caborje mágico de ser invulnerável a tiros e facadas, que nunca o feririam.

Numa outra história, Brilhante pediu água numa certa propriedade, tendo encontrado a dona da casa bastante chorosa por motivo de que seu marido havia viajado e, depois disso, um patife chamado Curió fizera avanços desrespeitosos para a mulher, tendo inclusive declarado que ela se preparasse pois, justamente naquela noite, ele iria dormir com ela. Segundo a narrativa, Jesuíno pediu que a senhora fosse dormir numa herdade vizinha e ficou sozinho na casa. Durante a noite, consoante havia ameaçado, o negro Curió se apresentou na residência, crendo que teria uma tranquila noite de estupro pela frente. Para encurtar a história: Curió foi sangrado feito um porco e arrastado para fora de casa pelos pés, direto para uma sepultura na beira da estrada. Na manhã seguinte, Jesuíno Brilhante se despediu educadamente da anfitriã, dizendo-lhe que podia ficar tranqüila, pois que o homem importuno viajara para não mais voltar... Cavalheirescamente, o cangaceiro lhe omitiu os fatos violentos ocorridos. Também é bastante falada uma situação em que Brilhante matou um escravo chamado José, por conta de uma tentativa de estupro.

Vale salientar que o crime de estupro ainda não era previsto no Código Penal Brasileiro dessa época, de forma que a questão da honra das donzelas e do recato das mulheres casadas (mesmo no caso de violência sexual) era tida como um valor moral a ser preservado apenas na esfera particular, sendo usual a "lavagem da honra com sangue", contanto que houvesse um macho para tal. Um outro detalhe também digno de se observar é que nos dois relatos acima, os negros citados são vítimas de Jesuíno Brilhante porque são predadores sexuais - uma imagem bem distante do chavão renitente que mostra as pessoas de cor da época apenas como "vítimas de brutal discriminação racial". (Nota: as duas narrativas aludidas estão no livro "Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico", de autoria do Juiz de Direito Raimundo Nonato da Silva, publicado pela Sebo Vermelho Edições)
Em meados de 1879, Brilhante viajou "à paisana" para Mossoró e foi reconhecido pelo Juiz local, tendo escapado ileso de nutrido tiroteio com forças policiais, em plena via pública. Segundo relata Câmara Cascudo, o cangaceiro limitou-se a disparar para cima, para evitar que a multidão de curiosos que assistia o espetáculo fosse ferida por ele. Ainda no mesmo ano, bandos armados a soldo da família Suassuna perseguiram os Brilhantes, sem sucesso. Há um tanto de outras ocorrências que deixo de citar pela exiguidade do espaço.
Jesuíno Brilhante morreu em dezembro de 1879, aos 35 anos, vítima de uma emboscada no Riacho dos Porcos, sopé da Serra do João do Vale, município de São José do Brejo da Cruz/PB (antiga São José dos Cassetes). Essa tocaia foi feita pela milícia liderada pelo seu feroz inimigo Preto Limão, a mando do Coronel João Dantas. O cangaceiro foi atingido no braço e no peito durante o entrevero, tendo sido levado por amigos até a comunidade Palha, onde faleceu e foi enterrado no mato. Alguns anos depois, em 1883, o crânio dele foi exumado pelo Dr Francisco Pinheiro de Almeida, levado e exibido (por décadas) em pelo menos três escolas de Mossoró. A explicação disso é que, segundo teorias científicas da época, os caracteres morais do ser humano teriam relação com sua constituição física, de modo que seria possível descobrir um criminosos "de nascença", apenas lhe analisando as conformações cranianas. Finalmente, o crânio do bandoleiro potiguar foi presenteado no Rio de Janeiro ao Prof Dr Juliano Moreira, para fazer parte de acervo museológico, a partir de onde não se tem mais notícias do paradeiro.
Atualmente, a fama de Jesuíno Brilhante perdura na tradição oral potiguar, tendo sido ele também objeto de estudo sócio-histórico (vide Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Ariano Suassuna e Raimundo Nonato) e personagem da literatura de cordel (vide Rodrigues de Carvalho, Nando Poeta, Gonçalo Ferreira da Silva, Poeta Abaeté, entre outros), assim como foi retratado no cinema ( no filme "Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro" - produção brasileira de 1972) e no universo HQ ("Jesuíno Brilhante em Quadrinhos", produção potiguar independente de Emanoel Amaral, Aucides Sales e Luiz Elson). Já os sítios históricos (principalmente a "Casa de Pedra de Jesuíno Brilhante") e artefatos antigos ligados à sua trajetória não têm recebido qualquer atenção governamental, desperdiçando-se, com efeito,  um potencial turístico interessante.
Infelizmente, a figura ímpar - e certamente controversa - do "Cangaceiro Romântico" deu origem à mitologia do "bom bandido" no imaginário popular brasileiro, pensamento que até hoje tenta encobrir a malignidade da índole de fascínoras e degenerados, sob a desculpa de que simplesmente questões sociais os impeliram a ser assim ( tese que 99% das pessoas em comunidades miseráveis, com sua conduta honesta e trabalhadora, dão a prova-viva de que não procede).
Erick Guerra, O Caçador

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