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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Desgaste entre os casais no confinamento faz flertes virtuais crescerem na pandemia, alerta levantamento do Google Trends

 


Um colega de escola, por quem nunca nutriu o menor interesse, tornou-se a grande diversão da publicitária mineira Mayra*, de 38 anos, durante a quarentena. Casada há 8 com um engenheiro civil e mãe de uma menina de 4, Mayra, como boa parte das mulheres brasileiras, não aguentava mais a múltipla jornada da pandemia e acabou encontrando no antigo amigo uma distração em meio a tantas tarefas. “O que começou com uma discussão política no grupo de WhatsApp dos ex-alunos do colégio virou um papo só nosso, em uma conversa privada”, conta. Em pouco tempo, suas visões de direita e esquerda foram cedendo espaço para temas muitos mais íntimos. “Resultado: acabamos trocando palavras eróticas e nudes, algo que em anos de casamento, nunca havia feito. Nem ele.” Se a intimidade entre os dois sairá do plano virtual para o real, só o fim da pandemia dirá.

Enquanto esse dia não chega, muitos comprometidos têm adotado a paquera virtual como uma fuga. De acordo com levantamento do Google Trends realizado na primeira quinzena deste mês, a busca por “aplicativos de relacionamento para casados” aumentou em 120%. E o assunto virou até tema de livro. No recém-lançado e-book “Relacionamentos amorosos na era digital”, organizado por Adriana Nunan e Maria Amélia Penido, há uma série de dicas sobre como usar os apps.

Casado há 25 anos, o advogado carioca Fabio* é um dos novos usuários do Ashley Madison, aplicativo voltado para pessoas comprometidas — com o lema “a vida é curta, curta um caso”, a plataforma fez sucesso na pandemia ao receber mais de 4.200 novos usuários no Brasil, no período entre 21 de março e 1º de julho. A empresa garante o sigilo dos internautas. De todo modo, Fabio desenvolveu uma série de técnicas para não ser flagrado. A principal é dizer de cara que é casado e que não pretende largar a família. “Poupa muita dor de cabeça”, acredita. “A minha mulher não sabe dessas escapulidas. Quer dizer, pode até desconfiar, mas não tem certeza. A dúvida garante certa tranquilidade. Quando você tem certeza da traição, tem que tomar uma atitude.”

E, afinal, ficar de papo na internet pode ser considerado traição? “Eu não tenho essa resposta! O casal é que precisa deixar claro os limites. Tem gente que não se importa que o parceiro transe com outra pessoa desde que o companheiro conte. Já para outros, uma curtida numa foto é o fim do mundo”, diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py. “Tenho notado uma crise nos casamentos, principalmente nos últimos meses, por causa do confinamento. As pessoas nunca precisaram conviver muito e por tanto tempo num mesmo ambiente. Nem nas férias! Afinal, tem a mudança de ambiente. A mulher briga com o marido e vice-versa, e ninguém pode sair para espairecer. A internet virou uma válvula de escape”, completa o especialista.

Não existem pesquisas oficiais sobre as puladas de cerca virtuais. O site “Huffington Post” publicou uma sondagem que verificou que 81% dos advogados responsáveis por divórcio no mundo dizem que usam os perfis virtuais dos ex-companheiros de seus clientes para investigar possíveis traições. Por aqui, o professor de Direito da Universidade do Estado do Amazonas Antonio Loureiro e outras duas colegas fizeram, no final do ano passado, um levantamento informal para o estudo “Infidelidade virtual: Violação ao dever conjugal de fidelidade recíproca”.

Entrevistaram 53 pessoas, com idades entre 20 e 29 anos. Apesar da pequena amostragem, o resultado é revelador. Quase a metade dos participantes afirmaram que já fizeram uso da internet para a satisfação de prazeres sexuais. Cerca de 30% dos entrevistados confirmaram que já traíram virtualmente seus parceiros. O curioso é que entre essas pessoas, 87% consideram traição um relacionamento on-line. E 58% acham que a pulada de cerca deva gerar uma indenização ao traído.

Buscar na Justiça uma maneira para amenizar o sofrimento para a dor da traição foi o que fez a enfermeira carioca Luciana*, de 42 anos. O casamento entrou em crise ao completar sete anos. “Ele não saía do computador, mas, como era professor, achava que estava resolvendo problemas dos alunos”, conta ela. Um dia, o laptop começou a travar. Quando estava apagando documentos a fim de limpar o HD, ela deparou-se com o arquivo “delete2” e quase caiu para trás ao se dar conta de que se tratava de conversas entre ele e uma amante. O que mais deixou a enfermeira chocada foi saber que o professor dava detalhes da vida sexual do casal. Ela resolveu não só pedir o divórcio como indenização por danos morais. E a situação ficou mais grave porque o ex-marido fazia com a “outra” comentários jocosos sobre o desempenho sexual da esposa.

Luciana ganhou na primeira instância, mas Bernardo recorreu e ganhou depois. Estressada, ela deixou a causa para lá. Hoje, ele está casado com o pivô da separação. Já Luciana está solteira e, por uma ironia do destino, mantém um relacionamento à distância com um amigo. Eles nunca se encontraram, mas são confidentes. Há dois anos, ele se casou. Com outra. “Juro que não falamos nada demais, mas ele fica horas comigo ao telefone.”

Para a escritora e psicanalista Regina Navarro Lins, o casamento pode ser ótimo, basta o casal reformular as expectativas que alimentam a respeito da vida a dois. Como, por exemplo, a ideia de que vão se transformar num só. Segundo ela, a frustração começa aí. “Ninguém deveria ficar preocupado se o parceiro transa ou não com outra pessoa. Homens e mulheres só deveriam se preocupar em responder a duas perguntas. 1) Sinto-me amado? 2) Sou desejado? Se a resposta for sim, o que o outro faz, quando não está comigo, não me interessa”, afirma a psicanalista. A gerente de marketing Luiza* estava casada há 10 anos e fazer sexo com o marido era uma raridade. O jeito para fugir do tédio foi frequentar sites de bate-papo para pessoas comprometidas.

O marido nunca soube de suas incursões. Ela só falava com os amantes virtuais por Skype, pois o programa não tem notificação. Mesmo com cautela, quase foi pega certa vez: apagou um e-mail comprometedor, mas o deixou na lixeira, e ele leu. Convenceu, então, um amigo a ligar para o marido, pedindo desculpas e dizendo que eles haviam namorado quando ela era solteira. “Meu marido não me elogiava mais e, confesso, ficava muito envaidecida quando ouvia que era gostosa”, conta ela, que acabou se separando. Num novo relacionamento, que já ensaia uma crise, cogita reativar a conta nos chats. “Os homens estão muito acomodados. Oferecem um sexo meia-boca e acham que estão abafando. As mulheres têm todo o direito de procurar na rua o que não têm em casa. Não é assim que eles falam?”, diz Luiza.

*Os nomes dos entrevistados foram mantidos em sigilo.

O Globo

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