Para AGU, relatório do impeachment é ‘insustentável’ pois pede afastamento e só depois a investigação da presidente
A Folha publica hoje entrevista com o advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, responsável pela defesa da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment.
Leia a entrevista:
Folha – O governo prometeu superavits acima de R$ 100 bilhões, em 2014 e 2015, e acabou com deficits que chegam a R$ 137 bilhões. O senhor acha que esse fato deve ficar impune?
José Eduardo Cardozo – Imaginar que situações desse tipo decorreram de atos deliberados da presidenta, de negligência, é um equívoco. Todos os países passam por crises que decorrem de circunstâncias que são alheias às medidas que toma para evitar que isso ocorra. Não vejo nenhum tipo de responsabilização possível do governante pelo fato de fatores externos à sua vontade, muitas vezes incontroláveis, vivenciar crise.
Um dos argumentos da defesa de Dilma é que o Congresso aprovou uma mudança na meta fiscal. Se os parlamentares não a tivessem aprovado, a presidente poderia ser responsabilizada?
Não me parece. Uma coisa é o Orçamento. Quando ele é aprovado, há uma previsão de receita, mas ela pode não se concretizar. Para isso, a lei prevê o contingenciamento, um decreto para impedir gastos, mesmo que autorizados.
Quando se fala de metas fiscais, o gasto é financeiro. O decreto de suplementação mexe no Orçamento para que um dinheiro que eu não tinha autorização para gastar passe a ter. Mas não eleva os recursos gastos. Fizemos o maior contingenciamento da história em 2015. Dizer que mexer no Orçamento altera a meta fiscal é ignorar planos distintos da realidade.
Mas de fato aumenta, empurra-se mais uma despesa…
Não, porque o contingenciamento breca. Mudar na previsão não mexe com o valor que efetivamente foi gasto. Exemplo: de R$ 1.000 que eu previa gastar [do Orçamento], reduzo para R$ 500. É diferente de, em vez de comprar R$ 300 de mexerica, levar R$ 400 de melancia.
O relator avalia que tudo o que ocorreu levou à crise econômica e que isso ameaça as conquista sociais da última década. O sr. concorda?
Com o devido respeito, há uma confusão de conceitos no relatório que chega a deixar pasmas as pessoas que mexem com direito financeiro. A situação econômica se deu por fatores que nada têm a ver com os créditos suplementares. Foi porque não entrou a receita. Se houvesse ilegalidade, o que não havia, a decisão do Congresso [de rever a meta] teria convalidado. Cumprimos a meta porque a lei foi adequada. Mas, mesmo se não tivesse acontecido, o crédito suplementar não teria a ver com isso.
O relatório do deputado Jovair Arantes diz que supostos crimes de abertura de crédito ocorreram em julho e agosto de 2015. Em junho, o TCU fez uma primeira análise e não aprovou as contas. Dilma não deveria ter, então, suspendido esse instrumento?
O relatório de junho em nenhum momento fala dos decretos. Isso me espantou muito no relatório. Os pareceres foram dados pela assessoria jurídica e financeira, mais de 20 órgãos intervieram, todos recomendando a fazer o que se fez.
Os decretos [de 2014] aparecem no relatório final do ministro Augusto Nardes.
Quando a presidente baixou [os decretos], não havia discussão. Depois, a matéria é ventilada na imprensa pelo Ministério Público de Contas e se chega à ilegalidade, mudando-se uma jurisprudência. Como pode haver má-fé se a discussão não estava posta, se os órgãos recomendavam e o TCU aceitava? É como se, ao andar numa estrada a 80 km/h, mudassem o limite para 60 km/h e resolvessem punir todos os que andavam acima da nova velocidade.
As pedaladas geraram deficits gigantescos, de 1% do PIB. A presidente foi informada?
Não foram gigantescos. Estamos falando do Plano Safra. A lei diz que quem faz a gestão do plano é o ministro da Fazenda e o Conselho Monetário Nacional. Não há nenhum ato da presidenta relativo a isso. O relator chega a, espantosamente, falar que ela tem que ser responsabilizada, mas tem que se investigar o ato. Você então pede primeiro o afastamento para depois investigar? É insustentável.
O relator usa em seu texto trechos do relatório da comissão do impeachment do ex-presidente Collor, feito pelo ex-ministro Nelson Jobim, que contestava a tese de golpe levantada pelo então presidente. Seu partido apoiava Jobim. Por que hoje o processo é diferente de 1992?
Impeachment é golpe? Se a Constituição for respeitada, se houver crime de responsabilidade comprovado, não. Se acontece dessa forma, como aconteceu no caso do presidente Collor, não é golpe. Porém, se tenho uma situação em que o processo contraria regras básicas e o crime de responsabilidade não existe, eu tenho um desrespeito à Constituição, um afastamento de um presidente com ruptura e ofensa constitucional e o nome que se dá na política a isso é golpe. Não importa se é feito com armas ou com retórica política.
Teme que, mesmo com a vitória, novos processos na Câmara ou que a ação do TSE [para cassar a chapa da presidente] ganhem força?
Um impeachment nessas condições fará com que qualquer governo que venha a nascer seja marcado pela qualificação de ilegítimo. Isso não será bom nem para o país, nem para ninguém. Não há governo legítimo com ruptura democrática.
Gostaria que o senhor comentasse algumas das teses que apareceram com a crise. Semipresidencialismo?
Pessoalmente, não como Advogado da União, sou parlamentarista e muito simpático ao semiparlamentarismo. No plebiscito, votei pelo parlamentarismo. Mas sou contra situações que tentem resolver casuisticamente problemas. Sem um sistema eleitoral e político diferente do nosso, pode colocar o sistema de governo que quiser que não resolve.
Eleições gerais?
Tudo pode ser discutido. O que não pode ser discutido é ruptura democrática. Se banalizarmos o impeachment da forma como alguns querem, o país não terá mais estabilidade jurídica, porque qualquer governo que possa passar por uma crise econômica ou de popularidade terá o impeachment como ameaça permanente.
Quem vai querer investir no Brasil com uma instituição tão fragilizada? Que segurança jurídica terão os mercados para garantir uma possibilidade de crescimento ao país quando o sistema se mostraria tão frágil ao ponto de a simples retórica substituir o fato na cassação de uma presidente da República? Superar o impeachment é fundamental para o país avançar e sair da crise.
Caso o governo consiga a vitória na votação do impeachment, há a probabilidade de não ter o apoio posterior de PMDB e PP. Como governar nessas condições?
Só não se consegue com ruptura institucional. Findo o processo, o governo tem condições de abrir diálogos e fazer pactuações com diversas forças políticas.
A presidente vai efetivamente governar ou passará o governo ao ex-presidente Lula, caso ele possa assumir a Casa Civil?
[Risos]. A presidente é eleita. O presidente Lula, integrando a equipe de qualquer governo, traria contribuições de grande monta. O que, em nenhum momento, traria restrição ao exercício do mandato e à capacidade decisória da presidenta.
Leia a entrevista:
Folha – O governo prometeu superavits acima de R$ 100 bilhões, em 2014 e 2015, e acabou com deficits que chegam a R$ 137 bilhões. O senhor acha que esse fato deve ficar impune?
José Eduardo Cardozo – Imaginar que situações desse tipo decorreram de atos deliberados da presidenta, de negligência, é um equívoco. Todos os países passam por crises que decorrem de circunstâncias que são alheias às medidas que toma para evitar que isso ocorra. Não vejo nenhum tipo de responsabilização possível do governante pelo fato de fatores externos à sua vontade, muitas vezes incontroláveis, vivenciar crise.
Um dos argumentos da defesa de Dilma é que o Congresso aprovou uma mudança na meta fiscal. Se os parlamentares não a tivessem aprovado, a presidente poderia ser responsabilizada?
Não me parece. Uma coisa é o Orçamento. Quando ele é aprovado, há uma previsão de receita, mas ela pode não se concretizar. Para isso, a lei prevê o contingenciamento, um decreto para impedir gastos, mesmo que autorizados.
Quando se fala de metas fiscais, o gasto é financeiro. O decreto de suplementação mexe no Orçamento para que um dinheiro que eu não tinha autorização para gastar passe a ter. Mas não eleva os recursos gastos. Fizemos o maior contingenciamento da história em 2015. Dizer que mexer no Orçamento altera a meta fiscal é ignorar planos distintos da realidade.
Mas de fato aumenta, empurra-se mais uma despesa…
Não, porque o contingenciamento breca. Mudar na previsão não mexe com o valor que efetivamente foi gasto. Exemplo: de R$ 1.000 que eu previa gastar [do Orçamento], reduzo para R$ 500. É diferente de, em vez de comprar R$ 300 de mexerica, levar R$ 400 de melancia.
O relator avalia que tudo o que ocorreu levou à crise econômica e que isso ameaça as conquista sociais da última década. O sr. concorda?
Com o devido respeito, há uma confusão de conceitos no relatório que chega a deixar pasmas as pessoas que mexem com direito financeiro. A situação econômica se deu por fatores que nada têm a ver com os créditos suplementares. Foi porque não entrou a receita. Se houvesse ilegalidade, o que não havia, a decisão do Congresso [de rever a meta] teria convalidado. Cumprimos a meta porque a lei foi adequada. Mas, mesmo se não tivesse acontecido, o crédito suplementar não teria a ver com isso.
O relatório do deputado Jovair Arantes diz que supostos crimes de abertura de crédito ocorreram em julho e agosto de 2015. Em junho, o TCU fez uma primeira análise e não aprovou as contas. Dilma não deveria ter, então, suspendido esse instrumento?
O relatório de junho em nenhum momento fala dos decretos. Isso me espantou muito no relatório. Os pareceres foram dados pela assessoria jurídica e financeira, mais de 20 órgãos intervieram, todos recomendando a fazer o que se fez.
Os decretos [de 2014] aparecem no relatório final do ministro Augusto Nardes.
Quando a presidente baixou [os decretos], não havia discussão. Depois, a matéria é ventilada na imprensa pelo Ministério Público de Contas e se chega à ilegalidade, mudando-se uma jurisprudência. Como pode haver má-fé se a discussão não estava posta, se os órgãos recomendavam e o TCU aceitava? É como se, ao andar numa estrada a 80 km/h, mudassem o limite para 60 km/h e resolvessem punir todos os que andavam acima da nova velocidade.
As pedaladas geraram deficits gigantescos, de 1% do PIB. A presidente foi informada?
Não foram gigantescos. Estamos falando do Plano Safra. A lei diz que quem faz a gestão do plano é o ministro da Fazenda e o Conselho Monetário Nacional. Não há nenhum ato da presidenta relativo a isso. O relator chega a, espantosamente, falar que ela tem que ser responsabilizada, mas tem que se investigar o ato. Você então pede primeiro o afastamento para depois investigar? É insustentável.
O relator usa em seu texto trechos do relatório da comissão do impeachment do ex-presidente Collor, feito pelo ex-ministro Nelson Jobim, que contestava a tese de golpe levantada pelo então presidente. Seu partido apoiava Jobim. Por que hoje o processo é diferente de 1992?
Impeachment é golpe? Se a Constituição for respeitada, se houver crime de responsabilidade comprovado, não. Se acontece dessa forma, como aconteceu no caso do presidente Collor, não é golpe. Porém, se tenho uma situação em que o processo contraria regras básicas e o crime de responsabilidade não existe, eu tenho um desrespeito à Constituição, um afastamento de um presidente com ruptura e ofensa constitucional e o nome que se dá na política a isso é golpe. Não importa se é feito com armas ou com retórica política.
Teme que, mesmo com a vitória, novos processos na Câmara ou que a ação do TSE [para cassar a chapa da presidente] ganhem força?
Um impeachment nessas condições fará com que qualquer governo que venha a nascer seja marcado pela qualificação de ilegítimo. Isso não será bom nem para o país, nem para ninguém. Não há governo legítimo com ruptura democrática.
Gostaria que o senhor comentasse algumas das teses que apareceram com a crise. Semipresidencialismo?
Pessoalmente, não como Advogado da União, sou parlamentarista e muito simpático ao semiparlamentarismo. No plebiscito, votei pelo parlamentarismo. Mas sou contra situações que tentem resolver casuisticamente problemas. Sem um sistema eleitoral e político diferente do nosso, pode colocar o sistema de governo que quiser que não resolve.
Eleições gerais?
Tudo pode ser discutido. O que não pode ser discutido é ruptura democrática. Se banalizarmos o impeachment da forma como alguns querem, o país não terá mais estabilidade jurídica, porque qualquer governo que possa passar por uma crise econômica ou de popularidade terá o impeachment como ameaça permanente.
Quem vai querer investir no Brasil com uma instituição tão fragilizada? Que segurança jurídica terão os mercados para garantir uma possibilidade de crescimento ao país quando o sistema se mostraria tão frágil ao ponto de a simples retórica substituir o fato na cassação de uma presidente da República? Superar o impeachment é fundamental para o país avançar e sair da crise.
Caso o governo consiga a vitória na votação do impeachment, há a probabilidade de não ter o apoio posterior de PMDB e PP. Como governar nessas condições?
Só não se consegue com ruptura institucional. Findo o processo, o governo tem condições de abrir diálogos e fazer pactuações com diversas forças políticas.
A presidente vai efetivamente governar ou passará o governo ao ex-presidente Lula, caso ele possa assumir a Casa Civil?
[Risos]. A presidente é eleita. O presidente Lula, integrando a equipe de qualquer governo, traria contribuições de grande monta. O que, em nenhum momento, traria restrição ao exercício do mandato e à capacidade decisória da presidenta.
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