Pages

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

ENTENDA O PORQUÊ DA ALTA DO PREÇO DA CARNE NO BRASIL

Há toda uma conjugação de fatores que levaram à alta do preço da carne. Vou analisar de forma cronológica e explicar tim-tim por tim-tim.


Primeiro, diga-se que a população chinesa é de 1,4 bilhão de pessoas, agora em 2019, segundo estimativas da ONU. É o país mais populoso do mundo, isso todos sabem.
Segundo, o consumo de carne suína na China é tradicional, é a proteína mais demandada pela imensa população: cada chinês consome cerca de 38,4 kg de carne suína por ano. Isso representa mais do que o dobro da média de consumo aqui, que é de 15,1 kg de carne suína. Os chineses consomem mais ou menos a metade da produção de carne suína no mundo. Ou seja, eles adoram carne de porco!
Terceiro, e aí o mais grave problema: a produção de carne suína chinesa, que havia chegado a 54 milhões de toneladas em 2018, despencou abruptamente. Em setembro de 2018, a China anunciou que o vírus da peste suína africana havia sido detectado em sua produção para subsistência – isso quer dizer, no rebanho suíno que mantinham para consumo interno. Cerca de 200 milhões de cabeças foram abatidas, por conta disso. A peste suína africana é altamente contagiosa, causa hemorragia nos animais (que ficam imprestáveis para consumo humano) e é mortal para eles, é causada por um vírus e não há tratamento. O pior: é de notificação obrigatória aos órgãos oficiais nacionais da China (aqui, também!) e internacionais de controle de saúde animal e tem rápida disseminação.
Isso causou a perda de 41% do rebanho chinês! Uma pancada, para o maior mercado do mundo. A solução, no curto prazo, foi migrar o consumo para outras carnes, e dentre elas, a carne bovina.
Os maiores produtores de carne bovina no mundo estão representados no gráfico abaixo.
Vejam que o maior produtor mundial são os EUA. Mas há um probleminha no comércio entre China e EUA, então, pelo menos neste momento, os EUA não são exportadores para a China.
O segundo grande produtor é o Brasil, que é parceiro comercial da China há muito tempo.
O maior exportador de proteína para a China é a Austrália, e há um imenso acordo de livre comércio entre eles, desde 2014. Mas a Austrália também foi afetada pela peste suína! Os dados disponíveis mostram que a doença foi detectada em janeiro deste ano, lá. Então, com acordo de livre comércio e tudo, a Austrália não é exportadora viável, neste momento. Mencione-se, ainda, que a capacidade produtiva australiana de carnes não conseguiria suprir a demanda chinesa, no curto prazo: estão enfrentando uma grave seca, este ano, e um boi leva, pelo menos, 18 meses para chegar ao ponto de abate – esse prazo aumenta bastante, com a seca. Nos próximos dois anos, estarão se recuperando desses dois reveses.
Daí, os chineses foram realmente obrigados a comprar carne do Brasil. Não à toa, em maio deste ano a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, esteve em viagem pela China (em Xangai, no dia 13/05, em Pequim, no dia 15/05). Dentre muitos assuntos que a Ministra tratou por lá, por certo a exportação de carne estava na pauta! Depois dela, Bolsonaro também esteve em pequim (25/10), e houve a assinatura de 8 acordos comerciais entre Brasil e China – dentre eles, o da carne. Na verdade, estavam sacramentando um movimento que já era visto pelos operadores de mercado desde o ano passado: as crescentes exportações de carne para o gigante asiático. Esses acordos comerciais estão sendo questionados no âmbito do Mercosul, mas também Uruguai está alinhando um acordo de livre comércio com a China (agora!), no setor de carne, então o Governo já avalia quais seriam os impactos da saída do Tratado do Mercosul. Realmente, o comércio com a China é um negócio que não pode ser perdido, Brasil e Uruguai já o perceberam.
Com isso, o número de frigoríficos autorizados a exportar para a China subiu de 17, em fevereiro de 2016, para 89, em setembro deste ano. O volume de exportações de carne bovina para a China subiu 36,6%, de janeiro a outubro deste ano. A maior disparada se deu entre setembro e outubro (entre um e outro mês, as exportações para a China subiram 110%).
Some-se a isso o preço médio da carne no Brasil (em dólar: US$ 6,50/kg, em julho/2019), que é mais baixo que o chinês (US$ 9,90/kg, jul/19) e dos EUA (US$ 11,40/kg, jul/19). O que, em Economia, tem nome: arbitragem, ou seja, aproveitar variações de preço, no tempo e/ou no espaço, para comprar ou vender. Neste caso, vender para quem paga mais, que são os chineses – há um “preço de reserva” de US$ 3,40/kg, os chineses estão dispostos a pagar essa margem a mais pela carne. E pagam!
E mais um item, importante: o dólar estava a R$ 3,99 em 1º de novembro. Por conta de vários fatores, como:
  1. A taxa básica de juros estar baixa (5% a.a.), o que faz com que investidores estrangeiros em títulos públicos soberanos busquem outros países;
  2. A situação de instabilidade política em países vizinhos, que acabou respingando no Brasil;
  3. A insegurança jurídica em nosso país (em 7 de novembro, o STF veio com a nefasta decisão sobre as prisões em 2ª instância: a percepção de risco disparou e, com ela, o dólar, que bateu R$ 4,10 naquele dia 7).
Hoje, o dólar está a R$ 4,24. É realmente muito alto. Em Economia, nada é perfeitamente bom ou perfeitamente mau, o dólar alto pode afetar a inflação, mas é muito bom para a exportação, porque os produtos brasileiros, em moeda internacional, ficam mais baratos. Por exemplo, a arroba do boi, em São Paulo, estava em cerca de R$ 170,00, em 1º de novembro. No Exterior, ela custaria US$ 42,60. Mas com o dólar a R$ 4,27 (máxima do dólar no mês), essa mesma arroba custaria US$ 39,81, pelo mesmo preço em Reais!
Vejam, ainda, que na realidade os chineses precisam muito e estão oferecendo muito mais pela arroba bovina (cerca de 15% a mais), em dólar! A demanda externa pressionou o preço em reais, que subiu dos R$ 170,00 em 1º de novembro, para cerca de R$ 230,00, no fim do mesmo mês. Houve uma alta de 34,04% no preço da arroba, em novembro.
Junto com a demanda chinesa, também cresceu a demanda russa (que subiu 694%, entre setembro e outubro de 2019) e dos árabes (para os Emirados Árabes, cresceu 175%, entre os mesmos meses). E ainda temos um acordo de livre comércio com a União Europeia, que está para ser implantado. A perspectiva é que essa demanda externa continue pressionando os preços.
Finalmente, no Brasil há 4 grandes empresas que dominam o setor de proteínas: JBS, BRF, Marfrig e Minerva. É um oligopólio. Isso quer dizer que a capacidade de produção, armazenamento e distribuição de carnes está nas mãos de poucas empresas, ou seja, é limitada. Isso é decorrência da nefasta política de “campeões nacionais” dos governos anteriores, que concentrou mercado nas mãos das empresas “favoritas”. Também se diga que do oligopólio (quando há concorrência entre as empresas do setor) ao cartel (quando há combinação de preços e estratégias de mercado entre as empresas do setor) há um passo. Neste momento, não se pode dizer que houve combinação de estratégias, não há notícias, sequer comprovações sobre isso, que deve ficar ao cargo do CADE e, eventualmente, da Polícia Federal (se houver crime contra a Economia Popular).
Mas é certo que essas empresas voltaram suas vendas para a China, e isso reduziu a oferta de carne aqui no Brasil.
Com todos esses fatores atuando, basta aplicar a lei da oferta e da procura:
A oferta de carne no mercado brasileiro retraiu da “Oferta 1” para “Oferta 2”, isso fez o preço subir do “Preço 1” para o “Preço 2”, conforme os movimentos indicados pelas setas vermelhas no gráfico acima. Para quem não conhece a teoria sobre a Lei da Oferta e da Procura, indico um artigo: https://vidadestra.org/apresento-lhes-a-lei-da-oferta-e-da-procura/
A variação do preço ao consumidor, contudo, foi diferente, em diferentes regiões do Brasil. No Nordeste, em certas cidades chegou a um acréscimo de 40%. No Sul de Minas, foi de 18,25% a 24,5%, dependendo também da cidade. Em São Paulo, variou de 9 a 21%, dependendo do corte da carne.
A esta altura, o leitor deve estar perguntando: o que é possível fazer para conter isso?
Soluções, as há.
Primeira: a carne é um produto perecível. Se o consumidor não a comprar, as empresas não podem segurar os estoques por muito tempo. Mais ainda: com a queda na demanda, o preço deve também cair consideravelmente, já nos primeiros meses de 2020. O consumidor brasileiro tem que entender que, em livres mercados, quem manda é ele: se está caro, não compre! As empresas não conseguem segurar estoques refrigerados por mais de 8 meses (validade de congelados em peças grandes, a partir do abate). Na verdade, a carne já em cortes tem validade de 6 meses, e a moída tem prazo de 3 meses.
De toda forma, é possível a substituição, por outras proteínas, como frango ou porco. As importações da China destes dois últimos itens (por enquanto) ainda não subiu de forma abrupta, como se vê pelo gráfico a seguir.
Perceba o leitor que a grande disparada foi da carne bovina, enquanto frango e porco ainda estão em trajetórias relativamente estáveis. É certo que há uma pressão, interna, sobre os preços desses dois itens, por causa justamente da alta da carne bovina, isto é, as pessoas já estão procurando mais carne de frango e carne de porco e, pela mesma lei da oferta e da procura que citei acima, ao subir a demanda, sobem também os preços das mercadorias mais procuradas. Isso é o funcionamento normal de um mercado livre!
Segundo: no médio prazo, as empresas devem subir a produção de carnes, por causa justamente do aumento da demanda. É outra lei de mercado: toda oferta cria sua demanda (Lei de Say), que pode ainda ser lida como Keynes o fez: toda demanda cria sua oferta! Havendo a procura, as empresas e os produtores, rapidamente, se alinham às novas condições do mercado. Isso deve acontecer, no caso do boi, em até 18 meses (idade mínima de abate de bois, considerando ainda que não haja bezerros no mercado, agora), no caso dos suínos, em até 130 dias e no caso dos frangos, estes chegam ao abate entre 40 a 45 dias.
Terceiro: no longo prazo, havendo condições atraentes, mais empresas devem tentar se estabelecer em um mercado crescente. Isso atrai investimentos diretos para o Brasil, mais capital e mais empregos, bem como crescimento do PIB.
Quarto: em último caso, se o preço não ceder nesse período, o Governo pode baixar alíquotas do IPI, quanto à importação de carne, em especial em favor dos países produtores mais próximos, como Argentina e Uruguai, para estabilizar estoques e acelerar a queda de preços.
Portanto, não digam que “a culpa” da alta do preço na carne é do governo brasileiro, porque não é mesmo! Também não joguem a responsabilidade da solução dessa euforia de preços (temporária, na verdade) nas costas do governo: a última solução que apresentei, a queda da alíquota do IPI, não é benfazeja ao mercado interno, especialmente aos pequenos e médios produtores rurais. Por conta disso, podem acontecer muitos efeitos negativos no Brasil, como a quebra generalizada de pequenos produtores rurais. A diminuição de alíquotas do IPI depende, portanto, de um cálculo muito complexo, que deve levar em consideração a dimensão e o tempo dessa medida, ou seja: quando é mais útil do que perniciosa, qual a diminuição necessária para estabilizar estoques sem prejudicar a produção interna nem quebrar os pequenos e médios produtores, bem como por quanto tempo pode ser aplicada, sem que cause efeitos negativos irreversíveis.
A bem da verdade, a solução passa primeiro pela conscientização do brasileiro enquanto consumidor!
É bom que o brasileiro, hoje tão interessado em política, comece também a ter algumas noções de Economia. O que está acontecendo, quanto à carne, é perfeitamente normal, em condições de mercado livre: preços variam, sobem e também descem. É bem melhor do que o que acontece em “economias planificadas”: nesse caso, a mercadoria simplesmente desaparece das prateleiras! E isso, o Brasil viu, em 1986, com o Plano Cruzado – e eu me lembro bem do “sumiço” da carne dos supermercados, dos restaurantes e dos frigoríficos. Aliás, é bom que as novas gerações, que não viveram isso, pensem bem o que querem para o futuro do Brasil. Em mercados livres, os preços podem variar, mas não ocorre um desabastecimento a zero.
O prognóstico dessa situação, no médio e longo prazo, é bastante positivo, porque estamos crescendo em mercados externos, o que traz novos investimentos para o setor agropecuário, aumenta a produção e o nível de emprego (nesse setor, isso deve acontecer no curto prazo), melhora a renda e a balança comercial brasileiras. No médio prazo, a entrada dessas divisas força o dólar para baixo e melhora as condições de câmbio. Novas empresas devem se interessar em entrar nesse mercado, e isso traz mais capital e mais empregos. Onde os pessimistas vêem obstáculos, os otimistas vêem oportunidades. Por exemplo, o setor de suínos: o parque produtivo nacional tem capacidade para atender à demanda chinesa, é preciso, então, meter uma cunha naquele mercado para a carne suína brasileira, exportando também! Nessa hipótese, haveria uma redução, também, na pressão que o preço da carne bovina tem sofrido, e se realizada com o planejamento necessário, não haveria pressão no preço da carne suína, porque a exportação viria do acréscimo de produção, sem queda da oferta no Brasil.
Neste mundo atual, é assim que o PIB de um país cresce: conhecendo mercados, antevendo suas condições, adaptando-se a elas e aproveitando oportunidades. É assim que o Brasil vai crescer, também!
Fábio Talhari, para Vida Destra, 1º/12/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O blog exclui comentário que difamam, caluniam ou com linguagem chula.