Luta pela alma do Brasil! Bolsonaro é o presidente das guerras culturais!
Jair Bolsonaro é o presidente das guerras culturais no Brasil. Essa constatação em nada diminui a relevância ou a correção de análises centradas em outros aspectos da eleição, como o consolidado sentimento antipetista que hoje marca a sociedade brasileira ou a virada ideológica que vem se desenvolvendo no mínimo desde 2013 e que ajudou a impulsionar a primeira candidatura abertamente de direita a faturar a Presidência em décadas. Antes, trata-se de entender como esses fatores foram componentes de uma nova dinâmica na política brasileira.
A guerra cultural, como outras dinâmicas de disputas políticas, depende de uma polarização política para florescer. Sociedades divididas apenas sobre tópicos específicos — a aprovação desta ou daquela lei particular — dificilmente mergulham em polarizações radicais. Contudo, quando envolve mais amplamente os valores partilhados e a imagem da própria nação, a polarização tende a ser mais intensa e duradoura, e a dinâmica da guerra cultural se instala.
Do jogo do “nós contra eles”, que durante mais de uma década foi dominado pelo PT com uma retórica de classe social, emergiu o discurso do resgate da nação ameaçada. “Take our country back” — “tomar nosso país de volta” — foi um slogan entoado por Trump e seus apoiadores. Em versão um tanto improvisada, o mesmo tema apareceu nas frases finais de Bolsonaro em seu primeiro vídeo após a divulgação da vitória, em 28 de outubro, quando anunciou que tinha a missão de “resgatar o nosso Brasil”. Comunistas, socialistas, globalistas ou, mais simplesmente, a “petralhada” são os sequestradores do país, responsáveis por sua ruína. Não são apenas adversários no jogo dos grupos políticos concorrentes, e sim “inimigos da nação”. Assim, a guerra cultural mistura o adversário real — os governos petistas e suas políticas (suficientemente desastrosas para merecer oposição) — com a fantasia retórica poderosa do “inimigo da nação”, que precisa ser “varrido do mapa”. Cria-se um novo “nós contra eles”, distinto daquele estabelecido pelo petismo, mas com lógica semelhante: de um lado, “patriotas” e “cidadãos de bem”; de outro, fantasmagorias várias — a “ameaça comunista”, os “complôs globalistas”, a “ideologia de gênero” etc.
A formação em massa de seguidores, o compartilhamento instantâneo de conteúdos, pouco importa se falsos ou verdadeiros, e o acirramento dos ânimos políticos são potencializados por redes como o Facebook, o Twitter e o WhatsApp.
Foram o terreno preferido de Bolsonaro durante sua campanha, e têm sido seu veículo principal de comunicação após a vitória, com suas lives improvisadas (com cuidado?), nas quais são exibidos os símbolos de seu campo na guerra cultural — como a Bíblia e os livros de Olavo de Carvalho, guru da direita de internet que chega agora ao poder.
Não se trava uma guerra cultural discutindo modelos de câmbio, meta de inflação e tecnicalidades de privatização de estatais. Essa consciência — lição bem aprendida da experiência de Trump — permitiu a Bolsonaro, de um lado, manter-se na superfície em todas as questões relevantes para a economia e o desenvolvimento do país e, de outro, consolidar e ampliar sua campanha em terreno mais propício: o dos valores morais que estariam no centro da identidade do Brasil conservador que ele, em tese, encarna e representa.
Uma vez utilizada a dinâmica da guerra cultural para vencer a eleição, não há indícios de que o presidente tenha intenção de abandoná-la.
Bolsonaro segue fazendo uso dos canais de comunicação direta com suas bases, em detrimento da aceitação das lentes e filtros da imprensa profissional, por exemplo. O presidente está sendo vitorioso no terreno da política convencional, muitos projetos já estão sendo aprovados, como por exemplo reforma da previdência.
A guerra cultural está aí para manter a base eletrizada, mesmo. Nesse jogo duplo, o presidente eleito pode seguir as regras da política formal exigidas pela democracia com uma mão e atacá-las com a outra. Como o PT fazia com sua retórica de classes, só que agora com os novos avatares dos “patriotas” e “salvadores do Ocidente”.
* Eduardo Wolf é doutor em filosofia pela USP, editor do Estado da Arte e prepara um livro sobre as guerras culturais
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