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No Brasil, sexo oral é mais igualitário, mas homens relatam sentir mais prazer

 



Em todo o mundo, quando o assunto é sexo oral em relações heterossexuais, a maioria dos homens recebe, mas não retribui o ato. É o que apontam estudos feitos em diversos países. Índices que se contrastam com a realidade brasileira, já que por aqui esse comportamento é mais igualitário, divergindo dos padrões do resto do planeta. No Brasil, há apenas uma ligeira oscilação, de forma que eles aparecem mais atuantes neste quesito, sendo que 82,4% dizem praticar o ato contra 77,6% delas. Por outro lado, o prazer alcançado ainda é desigual: enquanto 52% deles garantiram que a técnica é muito prazerosa, apenas 28% delas tiveram a mesma percepção. Os dados são do levantamento Mosaico 2.0, do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Ainda que os hábitos brasileiros em relação ao sexo oral pareçam se distinguir da média mundial, estudos internacionais podem trazer indícios que ajudam a compreender porque a modalidade parece menos satisfatória para as mulheres. Uma publicação do Canadian Journal of Human Sexualiy, por exemplo, constatou que apenas 28% das entrevistadas entre 18 e 24 anos reconheceram gostar de praticar e receber estímulos por via oral. Por outro lado, 80% das que possuíam em torno de 40 anos sinalizavam desejar o ato.

Uma hipótese, portanto, é que reverbera no comportamento sexual das mulheres o fato de elas serem culturalmente desestimuladas a explorar sua própria sexualidade. Efeito disso, é esperado que elas lidem melhor com as possibilidades de prazer erótico à medida em que ficam mais velhas e passam a conhecer melhor o seu corpo. É o que observa Paulo Tessarioli, fundador e presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual (Abrasex). 

“É muito comum, na educação das meninas, que os tutores – que olham para a criança com olhar de adulto – busquem repreendê-las quando notam que estão se tocando. Há uma frequente vigilância, uma atitude policialesca que causa nelas a impressão de estarem sendo vigiadas em termos de comportamento e de conduta. Esse entendimento enviesado do comportamento infantil faz que a gente perpetue um estigma e a invisibilidade do órgão sexual feminino. Tudo isso leva a uma falta de autoconhecimento que vai trazer, potencialmente, vários desdobramentos – desde problemas ginecológicos, como infecções urinárias, até problemas sexuais, entre os quais a dificuldade de alcançar orgasmos”, avalia.

A expressão “invisibilidade”, aliás, ganha uma conotação quase literal para parcela da população feminina do país. Segundo a pesquisa “Os estigmas da vagina”, realizada neste ano pela Intimus, marca da Kimberly-Clark Brasil, em parceria com a Nielsen Brasil e a Troiano Branding, até 15% das brasileiras não têm costume de olhar para o próprio órgão sexual. Por outro lado, 52% disseram olhar para a genitália todos os dias. O levantamento ainda indicou que 68% não estão satisfeitas com a vagina, mas que a maioria (58%) se sente confortável em receber sexo oral – contra 18% que se sentem desconfortáveis.

“Eu penso que essas desigualdades em relação ao prazer pelo estímulo oral está ligado a uma negligência histórica em relação ao órgão feminino, que a gente sequer busca nomear adequadamente. De um lado, temos o pênis, que é culturalmente supervalorizado em relação à vagina e ao clitóris – sim, porque o clitóris, de que pouco se fala até hoje, é um órgão sexual. Por muito tempo, mesmo nas ciências, entendeu-se a vagina apenas como um canal que permite que a reprodução aconteça”, critica Tessarioli.

Desconhecimento leva vergonha feminina e à imperícia masculina; diálogo é solução

Tanto desconhecimento pode repercutir tanto no desconforto da mulher em receber sexo oral quanto em uma imperícia do parceiro ao executar a prática. “Nos atendimentos que realizo, é comum ouvir queixas de mulheres que dizem não receber ou, quando recebem, reclamações sobre o parceiro não saber fazer”, relata Paulo Tessarioli, detalhando que, em geral, o comportamento erótico dos homens é mais finalista, de forma que tendem a focar na penetração.

Para a psicóloga clínica Laís Ribeiro, especialista em educação sexual, é fundamental que os parceiros estabeleçam diálogo sobre suas preferências e busquem criar um ambiente confortável para que possam explorar as possibilidades de prazer juntos. “As pessoas devem estar abertas para o novo. Só assim poderão entender como ter prazer com o outro. Cada pessoa é diferente, é um mundo. Ninguém chega em uma relação sabendo tudo”, pontua. E, além disso, alerta que falar abertamente sobre o que se gosta e o que não se gosta é essencial. Durante o ato sexual, põe em relevo a importância de ter atenção à linguagem não verbal. Erro mesmo, diz, é sacrificar o próprio deleite fingindo que está tudo bem quando não se está.

Cuidados. Importante destacar que, embora o risco seja considerado menor se comparado à penetração vaginal ou anal, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) podem ser contraídas durante a prática de sexo oral. Feridas na boca, por exemplo, tendem a aumentar as chances de contágio. Por isso, é importante o uso de preservativo. Neste caso, a camisinha pode ser usada tanto por homens, que devem colocá-la no pênis, quanto por mulheres, que devem cortar o material ao meio, criando uma espécie de lençol de látex que deve ser usado sobre a vulva.

O preservativo só pode ser usado uma vez e depois precisa ser descartado. O método também é indicado no caso da prática do sexo oral na região anal.

Estigmas sobre o prazer oral são eco de uma visão estritamente reprodutiva do sexo

Modalidades de sexo para além da penetração vaginal, como o sexo oral e também o anal, são ainda muito estigmatizados e até reprovados por fugirem a um entendimento estritamente reprodutivo das atividades sexuais, ignorando toda a diversidade da sexualidade humana, avalia Paulo Tessarioli.

O presidente da Abrasex lembra que mitos se constituíram em torno dessas práticas. “Por muito tempo se acreditou que o sexo oral causava a infertilidade das mulheres, pois a saliva causaria a morte dos espermatozóides”, revela. Embora hoje não se fale sobre isso, acredita que os reflexos dessa crença permanecem entranhados em nossa sociedade.

Para ele, essa visão do sexo apenas como meio para a reprodução, muito em consonância com valores religiosos, ajuda a entender até mesmo o porquê de mulheres mais jovens demonstrarem mais insegurança em relação ao próprio corpo. “Como estão no período reprodutivo, o corpo delas é mais vigiado, é mais cobrado e elas se sentem mais inseguras, enquanto mulheres que estão mais próximas da menopausa passam a sofrer menos pressão”, avalia.

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